A guerra no Iraque diz respeito <br>a todos os trabalhadores

John Catalinotto
Em cerca de 700 cidades dos Estados Unidos realizaram-se a 19 de Março manifestações contra a continuação da ocupação do Iraque. Dois anos de morte e destruição começaram a chegar a casa. Os custos da guerra fazem-se sentir de forma particularmente pesada nas já oprimidas comunidades afro-americanas, latinas e de imigrantes, e nas jovens classes trabalhadores em geral. Esta experiência está a alterar a composição do movimento anti-guerra nos Estados Unidos.
Os protestos trouxeram à tona alguns aspectos subtis da luta. Em Fayetteville, North Carolina, próximo da grande base militar de Fort Bragg, familiares de tropas no Iraque, militares refractários e veteranos contra a guerra de ocupação criticaram a política dos EUA. O Exército, a Marinha, a Guarda Nacional e o Exército reservista já não conseguem recrutar as respectivas quotas de voluntários. Os estudantes começaram a fazer piquetes contra as mesas de recrutamento nas instalações escolares.
Na Califórnia, a International Longshore e a Warehouse Union Local 10 encerraram portos ao longo da Costa Ocidental para assinalar o segundo aniversário da invasão do Iraque pelos Estados Unidos. O presidente da Local 10, Trent Willis, disse à multidão no desfile de São Francisco que o sindicato também esteve contra as guerras do Vietname e da Coreia, e contra o regime de apartheid na África do Sul, quando em 1984 se recusou a descarregar os barcos da África do Sul, e que os jovens trabalhadores estão mais uma vez prontos para a luta.
E pela primeira vez realizou-se uma grande manifestação no Marcus Gervey Park de Harlem, nos arredores de Nova Iorque, em resposta ao apelo da Coligação ‘Troops Out Now’. Cerca de 15 000 pessoas desfilaram neste local tão rico na história da comunidade afro-americana. O próprio parque leva o nome do dirigente nacionalista negro do início do século XX, cujo movimento Universal Negro Improvement Trust atraiu milhares de pessoas, incluindo o jovem Ho Chi Minh. O que viria a ser o futuro presidente do Vietname trabalhou em Nova Iorque como trabalhador eventual.
Os activistas sindicais afro-americanos coordenam a coligação que apelou à marcha conjunta. Estes mesmos organizadores iniciaram no ano passado o movimento Million Worker March (Marcha de um Milhão de Trabalhadores, MWM), para desenvolver e mobilizar o trabalho. O MWM levou a cabo o seu primeiro protesto nacional em Washington em Outubro último.

(*) John Catalinotto é colaborador do «Avante!» em Nova Iorque. Tradução da versão inglesa por Anabela Fino

Movimento sindical mobiliza-se nos EUA

Os filhos do povo do Harlem
estão a morrer


O colaborador do Avante! em Nova Iorque falou longamente com dois coordenadores regionais da Costa Leste do MWM, Brenda Stokely e Chris Silvera.
Stokely é presidente do AFSCME District Council 1707, com 23 000 membros, os quais são na sua maioria trabalhadores de centros de dia e de assistência domiciliária de centros privados e de instituições não lucrativas. O DC 1707 organizou um dia de greve nos centros de dia em Fevereiro de 2003, e uma greve de três dias em Junho de 2004, em luta por um novo contrato.
Silvera é tesoureiro do Teamsters Local 808 e presidente do Teamsters National Black Caucus, que representa a maioria dos trabalhadores na cidade, e trabalhadores rodoviários do Metro North e alguns empregados públicos, ambos de Nova Iorque e do vizinho subúrbio de Long Island.

Acreditas que é importante para a classe trabalhadora ter um papel dirigente no movimento anti-guerra?

Stokeley
- Em primeiro lugar, penso que esta guerra é claramente um assunto que diz respeito aos trabalhadores porque são os trabalhadores quem suporta o pesado fardo de qualquer guerra levada a cabo pelos imperialistas. Para mim a guerra é apenas a continuação, na frente, das políticas domésticas do patronato. E se bem que eles desenvolvam de facto a guerra contra os interesses dos trabalhadores, procuram levá-los a crer que têm alguma coisa a ganhar com a guerra. É por isso que é tão importante que as pessoas, estejam ou não organizadas a nível laboral, falem e analisem se a guerra é ou não do seu interesse. [Apenas 12,5% dos trabalhadores nos EUA estão sindicalizados] Os nossos filhos são os que correm mais perigo de serem mortos ou feridos por algo que não é do seu interesse.

Silvera - A luta é de trabalhadores contra os que possuem e dominam os meios de produção. A riqueza é limitada. O dinheiro gasto para suportar a guerra não é usado para o bem-estar dos trabalhadores, ou para salvar a Segurança Social, ou para prestar a plena assistência médica aos reformados, para salários, pagamento de professores, etc. Logo, a guerra é contra os trabalhadores, para além do facto de que são os filhos dos trabalhadores que estão a morrer, e não os filhos de Cheney ou dos patrões da Halliburton.

Stokeley - Deixa-me dar um exemplo. Um dos nossos membros é um organizador dos trabalhadores dos centros de dia. A sua filha e o seu genro foram ambos para a guerra. Um foi para o Iraque. O outro foi para o Afeganistão. Por que é que foram? Eles entraram para as forças armadas porque não tinham aqui nenhuma oportunidade de emprego. Não tinham oportunidades de educação, de trabalho e de se sustentar. Felizmente, ambos sobreviveram e voltaram para casa. Mas sabes que mais? Continuam a não ter emprego. Não têm assistência médica. Então para que é que serviu ir para a tropa e ir para a guerra?
Os trabalhadores são sempre atacados como sendo um grupo com interesses particulares, em especial os trabalhadores organizados. Como é que a maioria do país pode ser um grupo com interesses particulares? A maioria das pessoas neste país é trabalhadora, mesmo que esteja despedida ou desempregada. Tudo o que as pessoas aqui usam e comem e desfrutam vem das mãos dos trabalhadores. Esses mesmos trabalhadores que deviam ser os responsáveis pelo país e pelo governo porque são capazes de organizar as coisas em defesa dos nossos interesses, no interesse da esmagadora maioria.

Qual foi a resposta dos trabalhadores nos vossos sindicatos ao vosso destacado papel no movimento anti-guerra? Aderiram?

Stokeley - O nosso sindicato, DC 1707 AFSCME, foi o primeiro no país, após os ataques ao World Trade Center em 11 de Setembro de 2002, a apoiar a declaração feita pelo New York Labor Against the War. Foi a 15 de Setembro, apenas alguns dias depois do 11 de Setembro. Creio que a posição progressista e contra a guerra do nosso sindicato teve muito a ver com a identidade dos seus membros e dirigentes. As nossas estruturas são todas de afro-americanos, excepto uma latina, e a maioria dos membros é composta por mulheres.
O nosso sindicato representa os trabalhadores da indústria de serviços com os salários mais baixos do serviço público, os trabalhadores dos centros de dia e de assistência domiciliária. A maior fonte de rendimento do seu trabalho é o governo federal. A maioria dos trabalhadores nestes empregos é de mulheres, mulheres de cor e mulheres imigrantes. Elas são todas trabalhadoras mal pagas, trabalhando numa esfera não lucrativa. Em média, um trabalhador do centro de dia ganha 26 000 dólares por ano ou menos, o que mal chega para pagar a renda de casa em Nova Iorque. Recebem cerca de 6.48 dólares por hora, enquanto se gasta cerca de 12 milhões de dólares por hora na guerra. O trabalho com as famílias e com as comunidades está em crise. Os membros da minha organização percebem perfeitamente as razões para tomar posição contra a guerra. «Os meus filhos, a minha sobrinha, o meu sobrinho», dizem, «não irão para a guerra».

Silvera - Durante a organização da Million Worker March no ano passado houve um forte apoio para a acção no seio do meu Teamsters local. Este ano foi menor, mas talvez isso seja em parte por culpa minha. Nós estávamos ocupados com negociações laborais e não pude dedicar muito tempo à organização da manifestação. Mas há também, por outro lado, um sentimento de intimidação por parte do governo contra quem toma abertamente posição contra a guerra. Os trabalhadores sentem a pressão do Estado opressivo, que consideram como um Estado fascista.

Stokely - A nossa organização é forte contra a guerra. No seio da AFSCME nacional houve um corte racial. [A DC 37 AFSCME tem 100 000 membros que são trabalhadores dos serviço público] Por exemplo, todos os membros negros aprovaram a resolução de apoio ao preso político Mumia Abu Jamal, que está no corredor da morte na Pennsylvania. Apoiam as resoluções contra a guerra. Apoiam a resolução exigindo o serviço nacional de saúde. Em 2004, nós fomos para a convenção e entretanto trabalhadores do nosso sindicato souberam em primeira mão o significado do envolvimento no Iraque. De facto, um dos delegados membro do comité recebeu uma chamada na noite anterior à convenção a informá-lo que o filho tinha morrido no Iraque. Quando ele desligou nós dissemos: «a resolução deve dizer: tragam as tropas para casa agora», e as pessoas aprovaram esta proposta por unanimidade.

Quando Nellie Bailey do Harlem Tenants Council discursou, disse que a manifestação era no Harlem «porque quando as outras comunidades se constipam, os Harlems deste país apanham uma pneumonia.» O que é que acham da decisão de começar a marcha no Marcus Garvey Park?

Silvera
- Eu penso que é uma manifestação de força. Marcus Garvey teria sido contra a guerra. Os filhos do povo do Harlem estão a morrer. É apropriado que o maior pontapé de saída seja do Harlem. E isso inclui começar a mobilizar os negros para se protegerem do que poderá vir a ser um sério ataque contra eles.

Stokely - Em primeiro lugar, é preciso ter em conta que a organização da manifestação deste Troops Out Now Coalition é como a cidade de Nova Iorque. Temos aqui representadas todas as nacionalidades que existem na cidade e temos activistas de todas as nacionalidades. Então, quando eu e outro sindicalista negro e uma pessoa como a Nellie Bailey recomendámos que a manifestação começasse a partir de Harlem, nem sequer houve discussão. A decisão foi unânime. Toda a gente pensou que era uma grande ideia. O Harlem representa todos os Harlems do país, na verdade de todo o mundo, onde a maioria das pessoas de cor são as que mais sofrem, sem qualquer tipo de guerra, com as política que não defendem os nossos interesses.
Ainda recentemente foi divulgado que 50% dos afro-americanos não têm emprego. Quando se está desempregado, está-se vulnerável. Mesmo sendo contra a guerra - e as sondagens de há dois anos revelavam que 85% dos afro-americanos eram contra a guerra - algumas pessoas entraram para as forças armadas porque não tinham emprego ou um lugar para viver ou assistência médica. Os pais dizem-lhes: «não te quero na rua, quero que faças alguma coisa útil». Então, vão para a Guarda Nacional, sem pensar que estão a caminho de se prejudicar.
Nós temos aqui hoje um irmão que fez justamente isso e que resiste. Ele é maravilhoso, corajoso e nós temos de o proteger. Chama-se Carl Webb.

Brenda, Chris, como é que avaliam a manifestação de hoje e qual é o próximo passo do movimento anti-guerra?

Silvera
- Aumentar a pressão. Acredito que devemos mobilizar a manifestação em Washington contra o Congresso, na segunda-feira, terça-feira, quarta-feira, quinta-feira, sexta-feira, para ir lá quando o Congresso estiver em sessão e fazer uma exigência pública que não possa ser ignorada pelos média.

Stokely - O que se segue é continuar a organizar as nossas comunidades. Nós temos um fórum em Harlem onde os jovens participam activamente. Trata-se de dar e receber, onde falamos uns com os outros e não uns para os outros. Precisamos de prosseguir a troca de ideias em cada comunidade da cidade.
Estou encantada com a manifestação de hoje. Olho em volta e vejo a cidade de Nova Iorque, um grupo multinacional de pessoas e o espírito de luta na manifestação. Isto é apenas o começo.

A coragem de dizer não

Carl, tal como cada vez mais e mais soldados, estejam no activo, sejam reservistas ou da Guarda Nacional, decidiste não ir para o Iraque. Como é que chegaste a essa decisão?

Tomei esta decisão porque percebi que a guerra não tem nada a ver com essa coisa de levar a democracia ao Médio Oriente ou de defender o povo americano. Trata-se de lucros. Trata-se de criar uma base permanente no Médio Oriente através da qual os EUA possam expandir o seu poder. Foi tudo planeado, à velha maneira imperialista.
Eu entrei para a Guarda Nacional em Agosto de 2001. Foi uma época muito má. Pensei na altura que o serviço fosse relativamente pacífico. Tínhamos invadido tudo o que era possível invadir, e a situação estava relativamente pacífica, pelo que arrisquei e vendi a minha lama ao diabo. Esperava passar três anos em segurança na minha cidade natal, numa unidade médica. Então aconteceu o 11 de Setembro.
Julho de 2004 chegou depressa. Eu sentia-me bem, mesmo muito bem. Disse adeus a todos os meus camaradas de armas porque tinha ainda um fim-de-semana de exercícios. Nessa altura recebi um telefonema do meu sargento. Ela disse-me que tinha más notícias. Disse-me que eu tinha de ir para o Iraque. Tinha sido chamado. Eu disse: «Quer dizer que a unidade foi mobilizada.»
E ela respondeu: «Não. Tu foste colocado noutra unidade. E eles vão para o Iraque.»
Comecei imediatamente a pensar nas minhas opções. Enviei uma mensagem para o correio electrónico de Austin [Texas] Against War e recebi de imediato um telefonema de um camarada e amigo activista. Passámos as horas seguintes a falar sobre as diferentes opções.
A primeira possibilidade era escapar para o México, apenas a cinco horas de viagem de autocarro. Mas eu tinha 38 anos, não 19. Mesmo que não fosse um exílio permanente, uma ausência de 12 anos deixar-me-ia com 50. Acresce que, embora possa parecer romântico, vivendo no estrangeiro como um fugitivo do governo dos EUA, eu teria provavelmente de viver como um trabalhador sem documentos no exílio, de viver no submundo.
O meu amigo sugeriu que considerasse a possibilidade de obter o estatuto de Objector de Consciência (Conscientious Objector, CO). Mas depois de ter falado com algumas pessoas que passaram pelo processo e com organizações que apoiam refractários, descobri que o regime militar dos EUA tem definições muito estritas. É preciso ser-se contra qualquer tipo de violência organizada. Eles perguntam, por exemplo: «Se fosses um escravo durante a Guerra Civil, terias fugido e ter-te-ias juntado ao Exército da União?» A maioria das pessoas sensatas responde «Sim». Nesta base, a pessoa está a apoiar a violência organizada e as autoridades militares recusam o estatuto de CO. A opção não estava aberta para mim.
Em vez de me limitar a cumprir ordens e de me apresentar ao serviço, decidi fugir e ao mesmo tempo vir a público com a minha resistência contra a guerra. Vou agora subir ao palco e dizer aos meus camaradas soldados que eles devem seguir o meu exemplo e usar todos os meios que forem necessários para se recusarem a ir lutar para o Iraque. Vou agora.


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